Sinopse: Uma manhã ensolarada na capital paulista, no começo da década de 1940. Dia banal, como outro qualquer, mas não para D. Lola: ela observa, pelo lado de fora, a casa onde morou durante anos com a família e que já não é mais sua. Quem habitará esse espaço agora? Como estarão os cômodos, outrora velhos conhecidos?
Seus devaneios reacendem episódios que ela guarda como relíquias, Emolduradas por fatos históricos que pontuaram as primeiras décadas do século XX, essas memórias evocam os sacrifícios e as conquistas passados ao lado do marido e dos filhos. Uma narrativa comovente que aviva nos leitores o valor dos momentos transitórios da vida.
Título: Éramos Seis (Skoob) | Autor: Maria José Dupré | Gênero: Ficção Histórica | Editora: Ática | Páginas: 293 | Onde comprar: Amazon / Submarino | Classificação: 10 (Excelente!)
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Maria José foi uma autora brasileira nascida em Botucatu SP em 1898. Professora por formação nutriu a paixão pela literatura desde a infância.
Começou publicando contos no suplemento literário de O Estado de S. Paulo com o pseudônimo de Mary Joseph e incentivada pelo seu esposo que dizia que seus contos mereciam ser vistos.
Em 1943 publicou esse que é seu segundo romance, e recebeu o prêmio Raul Pompéia da Academia Brasileira de Letras, em 1944.
A autora também ficou conhecida por publicar obras infantis, muitos na série vaga-lume, como O Cachorrinho Samba que venceu o prêmio Jabuti e A Ilha Perdida.
Infelizmente a autora é subestimada e até esquecida no Brasil.
Essa obra foi tanto adaptado para o cinema como para a televisão (em forma de telenovela) em quatro ocasiões.
Atenção: essa análise contém muitos spoilers!
Éramos Seis conta a história de Dona Lola, narrada pela mesma, já na velhice. Uma bondosa e batalhadora mulher, que fez de tudo pela felicidade de sua família, negando qualquer coisa para si em benefício dos filhos que são seus bens mais preciosos. Como esposa de Júlio, um vendedor com quem gerou seus quatro filhos: Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel, a história se desenrola em cerca de duas décadas, iniciando nos anos 20, no período final da República Velha, mostra o plano de ocupação da cidade de São Paulo citando Marechal Isidoro inclusive, e terminando nos anos 40, durante a II Guerra Mundial, já nos anos finais do Estado Novo.
“Setembro. Soldados feridos em todos os hospitais; soldados mortos. E as rosas dos jardins paulistas enfeitando túmulos. Túmulos cheios de rosas; olhos cheios de lágrimas; lábios cheios de orações... As esperanças caindo uma por uma como folhas mortas. Dor. Angústia. Desalento. Névoa no céu e na terra; nos olhos e nas almas. Desilusão.”
Dona Lola então, já na velhice, onde tomamos conhecimento já nas primeiras páginas, contempla a casa onde viveu toda sua vida, seus melhores e piores momentos. Contempla de fora, longe, pois a casa não lhe pertence mais, e é então que entramos na narrativa de suas memórias.
Contando desde sua infância no interior, em Itapetininga, das dificuldades que a mãe viveu para criá-la junto de suas duas irmãs após a morte do pai, partindo para a vida difícil ao lado do esposo, um homem que a princípio nos desperta um certo incomodo pelas cenas que aparece bêbado após o trabalho, maltratando a mulher e os filhos. Aos poucos vemos, porém sempre através dos olhos de Lola, que ele não era uma pessoa tão ruim, apesar de rude, amava muito a família. Importante que lembremos de contextualizar a época, meados de 1920, onde o machismo era algo mais forte, menos debatido digamos, e estava muito enraizado até mesmo em Lola. Júlio trabalha arduamente para pagar as prestações da casa, que está ambientada num cenário real, na avenida Angélica, em São Paulo, nas proximidades do parque Buenos Aires, no local onde mais tarde se ergueu o Edifício São Clemente.
Os sonhos são pequenos e humildes como os nossos, sonhos de trabalhadores: a princípio quitar a casa e então poder custear a faculdade dos quatro filhos, entre eles o mais estudioso, Carlos, que sonha ser médico.
Abrangendo esses dramas familiares, a autora nos enche de pequenas alegrias desde as lembranças doces dos filhos pequenos correndo pela casa num sábado de manhã (eu sofro pensando que um dia isso será uma lembrança para mim também), até a dor da morte de sua mãe e seu esposo, pessoas a quem ela tanto amou, ambos levados por enfermidades, causa comum na época onde os tratamentos eram caros e superficiais. Dona Lola relembra com tristeza a úlcera estomacal que levou o marido, ainda acreditando que poderia ter sido evitada se ele a ouvisse, e não ingerisse tanta pimenta.
Júlio morre no ano que mais aguardou em sua vida, o ano em que terminaria de pagar as prestações e a casa seria finalmente sua, leva com ele também o sonho de tornar-se sócio na loja onde trabalhava, quando precisa de um valor alto em dinheiro para isso, que lhe foi negado de empréstimo por todos, até mesmo pela tia rica de Lola. Júlio morre cheio de sonhos, na metade na vida, deixando totalmente desamparada a esposa e os filhos, que a partir de então precisam lutar muito para colocar alimento na mesa e não perderem a casa.
Lola é o tipo de mãe que morreria com sorriso no rosto pelos seus filhos, cada relato dela sobre a falta de alimento, colocando na mesa apenas o arroz sem nenhuma mistura, é de partir o coração de qualquer mãe.
Aqui o período de grandes transformações sociais e comportamentais da sociedade paulista serve como cenário, que num geral influenciam diretamente as ações dos personagens. Como no caso do segundo filho, Alfredo, que dono de uma personalidade forte desde a infância, identifica-se com o movimento comunista, o que era muito mal visto pelas famílias “de bem”, e dona Lola não entende sobre o que essas reuniões que o filho frequenta tratavam, não consegue distinguir a diferença entre o comunismo, anarquismo e o socialismo, e tudo isso vai moldando o rumo da vida dessa família.
Juntos dos capítulos, os anos também vão se passando, vemos essa mãe fazer o possível e o impossível, vendendo doces e dependendo de muita ajuda para criar os filhos, sofrendo e se martirizando por não conseguir mais pagar seus estudos.
Carlos, o filho mais próximo da mãe, deixa a faculdade de medicina para trabalhar e ajudá-la, dando todo seu dinheiro em casa. Alfredo por muitas vezes nos desperta raiva, apesar do amor que tem pela mãe, seu espírito livre fala mais alto, por muitas vezes egoísta, prejudicando indiretamente a mãe e os irmãos para viver seus ideais, até que certo dia, a policia intervem de forma violenta e Alfredo é obrigado a fugir do país, deixando a mãe sem contato anos a fio.
Julinho que é o terceiro filho, sucede o lugar do pai, tornando-se um comerciante importante e mudando-se para o Rio de Janeiro a negócios. Isso resulta em mínimas visitas a mãe, já que casou-se e tem sua própria família. E então no lar onde moravam seis, moram apenas três.
Isabel, a caçula, tem um gênio forte, parecida com Alfredo mas que por ser mulher não tem a mesma autonomia e liberdade, no entanto isso não a impede de se apaixonar por um homem desquitado, deixando a mãe preocupada e em prantos. Na época o divórcio era um tabu, e com forte influência da igreja católica, não eram vistos com bons olhos aqueles que se separavam. Portanto Lola impõe a Isabel que largue aquele homem, Felício. Sofrendo em abrir mão do amor de sua vida, Isabel decide fugir e viver esse amor deixando assim a mãe sem notícia por anos, e uma mágoa forte e amarga em cada página.
Como o livro trata da realidade e suas infelicidades, ainda temos a morte trágica de Carlos, o único filho que ficou ao lado da mãe até sua quase velhice, já que Lola ainda era uma jovem senhora quando o primogênito padece da mesma doença do pai.
“(...)me vi quase só com ele naquela sala vazia, ouvindo o relógio bater as horas compassadamente, pingando os minutos que me separavam do passado. Parecia que o relógio fazia de propósito; todas as vezes que eu estava lembrando, ele começava a bater: dom! dom! dom! Devagar e tristemente, como se dissesse: Lembra! Lembra! Lembra!”
Por fim, vemos que o título da história se dá pela situação atual de Dona Lola no início do livro, sozinha numa casa de repouso dirigida por freiras, onde ela passa os dias a relembrar sua vida, esperando docemente que a morte a encontre e a leve para o lado daqueles que ela tanto amou.
“No meu último aniversário, recebi um pacote de minha irmã Clotilde, vindo de Itapetininga; abri com curiosidade. Havia “uma” caixinha de figos cristalizados, “uma” lata de goiabada em calda e “um” tijolo de pessegada. Apenas.”
Essa obra traz um drama comum, não nos traz uma história de amor irreal ou arrebatadora, não faz questionamentos filosóficos ou intelectuais profundos, mas passa um grande conhecimento, seja no período histórico em que está ambientada, ou na forma como do gênero é colocado numa metrópole de aspecto interiorano que vai virando uma megalópole. Entre fatos corriqueiros de uma família nos mostra a rápida urbanização da capital paulista, a presença de uma elite econômica muito distante das classes média e baixa, assim como a autonomia da mulher que começava a ser conquistada no trabalho fora de casa assim como o tabu do casamento insolúvel. Também coisas pertinentes dos dias atuais como a atribuição da criação dos filhos somente a mãe.
“Quando dei um suspiro de alivio e disse comigo mesmo: agora posso dormir tranquila, compreendi que essas palavras não foram feitas para mim e que é muito difícil uma mãe pobre com quatro filhos dormir tranquila.”
Acaba por nos fazer refletir sobre nós mesmos, momentos que passam despercebidos em nossas vidas, principalmente sobre a questão de que, em tantas décadas de dedicação a um lar a recompensa acaba nunca chegando completa, por mais que seja algo da vida, mostra o desvalor que os filhos, ao criarem seus próprios lares e viverem suas vidas, acabam inevitavelmente destinando aos seus progenitores.
“Para que tanto trabalho, tanto esforço, tanta luta neste mundo, se o fim de todos é o mesmo: ficar deitado entre quatro tabuas, no escuro e com uma porção de terra por cima?”
Fui na biblioteca e esse livro me chamou a atenção pelo título, para minha surpresa quando ao pesquisar descobri sobre a novela. Esse livro é fantástico, é bem um diário.
ResponderExcluirAchei legal
ResponderExcluirfoda se meu caro
ExcluirEu achei uma obra maravilhosa cada capitulo lido me fez lembrar minha infância numa pequena cidade no interior do Piauí. Uma luta muito grande que meus pais viveram para sustentar 9 filhos vivos pois devido a doenças sem condições de serem atendidos morreram 5 jovens.Meu pai trabalhava em roça de sol a sol para não faltar nada para nós, mais conseguimos vencer hoje já falecido mais deixou conosco uma guerreira de 86 anos que lutou ao seu lado para nada nos faltar.
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